O jogo financeiro em curso por trás do futebol

Muitos pensam que o futebol brasileiro não mudou em nada nos últimos anos. Vejo, contudo, uma revolução silenciosa acontecendo no esporte. Não por iniciativa própria dos clubes, mas pela exaustão completa do modelo de gestão que vinha imperando há décadas nesta área.

A verdade é que a grande maioria dos dirigentes brasileiros não via com prioridade as finanças das suas agremiações. Se não havia dinheiro para formar um bom elenco, antecipavam os contratos de televisão, e bola pra frente.

Quando faltava dinheiro para as despesas, deixavam de pagar, seletivamente, algumas delas. Quem geralmente deixava de receber era o governo, em tributos.

Mas, se o cerco se fechou, se fechará mais ainda. As cifras cresceram e a responsabilidade do gestor do clube só aumenta. Há algum tempo, se o jogador não recebesse, em questão de três meses, estaria liberado para assinar contrato com outro clube. Agora, também, se o governo não recebe, há o risco real de bloqueio de bens e de receitas futuras, inclusive as oriundas de vendas de jogadores ao exterior.

Restou, portanto, aos dirigentes encarar a realidade e pensar como gestores financeiros hábeis. Ou seja, trabalhar com as receitas que existem para o exercício, pagar os tributos em dia e controlar as demais despesas. E, é claro, colocar o time mais competitivo possível em campo, dentro das possibilidades.

Não há nada a reclamar dessa nova fase do futebol brasileiro. Em 2010, retornei ao país após um MBA voltado ao esporte, mais especificamente ao estudo de caso da Premier League, a liga inglesa, a maior do mundo em faturamento. Em um tour por mais de dez clubes das séries A do Brasil, expus o que deu certo e o que deu errado por lá, enfatizando que seria uma questão de tempo as premissas se tornarem realidade também por aqui. Nos primeiros anos, poucos dirigentes levaram a sério esse discurso.

Hoje, uma nova leva de gestores nos clubes reconhece que a gestão é questão de adaptação ou morte. A demanda por profissionalização é tão iminente que muitos já adequaram aos seus vocabulários termos como metas e métricas de desempenho, antes tipicamente ouvidos apenas em empresas de capital privado. Alguns já trabalham à luz desses conceitos, e os demais virão por adesão, pois, do contrário, não terão como competir com os clubes pioneiros.

Essa revolução, iniciada pelas finanças dos clubes, com a ênfase em geração adicional de receitas e controle maciço de despesas gerais e administrativas, tem chegado até aos departamentos de futebol.

Como a maioria dos diretores de futebol e treinadores trabalha com uma meta de desempenho, e com um orçamento atrelado a ela, têm de medir a produtividade de seus jogadores.

Quem custa muito e entrega pouco perde espaço no elenco. Isso, baseado em indicadores, medidos na ponta dos dedos, nos tablets. Sem achismo nem superstição.

Muitos jogadores, que viviam de sua imagem frente ao torcedor, estão sendo desmistificados, dando lugar aos mais empenhados, que devolvem em resultados — de gols ao aproveitamento em defesas, passes e assistências — a cifra que é investida neles.

É o futebol vivendo sua nova fase à luz da gestão. Vai ser interessante ver quem levará a melhor nesse novo momento, dentro e fora de campo.

Brasil Econômico – Edição 5 de janeiro de 2015 – Análise, por Rodrigo Godoy

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